Há sempre uma razão para viver. Podemos elevar-nos acima da nossa ignorância, podemos olhar o nosso reflexo, como o de criaturas feitas de perfeição, inteligência e talento. Podemos ser livres! Podemos aprender a voar!
(Richard Bach "Fernão Capelo Gaivota")

domingo, 5 de dezembro de 2010

Poema do homem só

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Sós,

Irremediavelmente sós,

como um astro perdido que arrefece.

todos passam por nós

e ninguém nos conhece.

 

Os que passam e os que ficam.

Todos se desconhecem.

Os astros não se explicam:

arrefecem.

 

Nesta envolvente solidão compacta,

que se grite ou não se grite,

nenhum dar.se de dentro se refracta,

nenhum ser nós se transmite.

 

Quem sente o meu sentimento

sou eu só, e mais ninguém.

Quem estremece este meu sentimento

sou eu só, e mais ninguém.

 

Dão-se os lábios, dão se os braços,

dão se os olhos, dão-se os dedos,

bocetas de mil segredos

dão-se em pasmados compassos;

dão-se as noites, dão-se os dias,

dão-se aflitivas esmolas,

abrem-se e dão-se as corolas

breves das carnes macias;

dão-se os nervos, dá-se a vida,

dá-se o sangue gota a gota,

como uma braçada rota

dá-se tudo e nada fica.

 

Mas este intimo secreto

que no silêncio concreto,

este oferecer-se de dentro

num esgotamento completo,

este ser-se sem disfarce,

virgem de mal e de bem,

este dar-se, este entregar-se,

descobrir-se e desflorar-se,

é nosso, de mais ninguém.

(António Gedeão)